CULTURA MARAJOARA - HISTÓRIA E
ICONOGRAFIA
Denise Pahl Schaan
A cultura Marajoara formou-se a
partir de pequenos assentamentos de grupos horticultores estabelecidos
no centro da Ilha de Marajó, a oeste do Lago Arari, expandindo-se cultural e
demograficamente para o norte e leste da Ilha. O domínio dessa cultura, que
teve início a partir do século V d.C., não se deu pela imposição demográfica de
uma única etnia, mas provavelmente pela articulação entre as chefias de
diversos aldeamentos já existentes em função de estratégias e objetivos
políticos e econômicos comuns. Esses povos utilizavam possivelmente uma
agricultura intensiva, complementada pela caça, pesca e coleta de frutos e
plantas silvestres. A cultura Marajoara importava de regiões distantes implementos
de basalto e diorite para trabalhar a terra e a madeira, adornos de pedra como
a nefrite (as famosas pedras verdes) e possivelmente outros produtos que
pereceram.
Assim como no restante da Bacia
Amazônica, nesse período de mil anos que precedeu a chegada dos europeus
desenvolveu-se um intenso comércio inter-regional, que permitiu o desenvolvimento
econômico e o crescimento demográfico de pequenas aldeias e conferiu maior
poder político às lideranças envolvidas com as redes de troca.
Uma grande área circular de 20.000
km2, na região dos campos, tendo como centro o Lago Arari, foi ocupada por essa
cultura, que é identificada arqueologicamente pela construção de monumentais
aterros e pela confecção de uma elaborada cerâmica cerimonial. Festas e rituais
funerários mostram a estreita integração regional que havia entre os diversos
grupos sociais dentro da Ilha e a necessidade de articulação dessa unidade por
meio da celebração ritual. Quando
morriam, os chefes e membros das famílias de prestígio tinham seus ossos
descarnificados, desarticulados, pintados e dispostos em urnas funerárias
ricamente decoradas, cercadas de oferendas e objetos de uso pessoal. Em alguns
períodos utilizaram também a cremação. Essas cerimônias eram realizadas nos
aterros principais, onde as urnas, com tampas e outros objetos eram enterradas
cuidadosamente.
Próximos a esses aterros, numerosos
e menores outros aterros eram utilizados para habitação e para as atividades
domésticas. Além de prevenirem contra as inundações, essas plataformas
artificiais tinham também função defensiva. Especialistas da cultura Marajoara
produziram uma infinidade de utensílios cerâmicos decorados mostrando alto
domínio da técnica de tratamento e modelagem do barro, do trabalho de entalhe,
do manejo de tintas e uma habilidade especial na feitura de desenhos étnicos e
mitológicos em
diversas
técnicas.
Pratos rasos e com pedestais,
tigelas, vasos, alguidares, torradores de mandioca, bilhas, banquinhos para os
chefes e estatuetas foram decorados com as técnicas de incisão, excisão,
pintura e modelagem de figuras humanas e animais. As estatuetas antropomorfas,
chocalhos, e uma infinidade de formas exóticas, assim como a fabricação de
utensílios dedicados à ingestão de drogas alucinógenas mostram a diversidade de
objetos envolvidos nas cerimônias e sugerem que um papel importante era desempenhado
por pajés nos cultos rituais.
Na cerâmica encontram-se
representados animais da fauna Amazônica como a jararaca, o jacaré, o
escorpião, a tartaruga, o urubu-rei e outras aves, a anta, o macaco da noite e
a onça, entre outros. É comum encontrarmos uma representação híbrida de homem e
animal, o que possivelmente representa uma entidade mitológica, pertencente ao
mundo sobrenatural. Em urnas
antropomorfas
geralmente está representada a mulher, associada com representações de animais
como escorpiões, aves e serpentes. A mulher também está representada em
estatuetas falomorfas, que possuem o corpo decorado com grafismos que
representam algumas vezes serpentes.
Nesses grafismos, que aparecem em
todos os tipos de objetos cerâmicos, podemos identificar a existência de
estilizações de partes de animais e faces humanas. Esses desenhos ocupam quase
toda a superfície das vasilhas e pode-se perceber que há uma combinação lógica
entre o desenho, a técnica utilizada para a decoração da superfície e o formato
básico da peça. Além da representação de figuras mitológicas e de idéias que
conformam uma maneira culturalmente determinada de perceber o mundo exterior, é
possível que na cerâmica estejam representadas também símbolos relativos à
inserção social do usuário ou proprietário do objeto - como linhagens ou
posições sociais.
Além da cerâmica, os povos
Marajoaras fabricavam e usavam tecidos, plumária, adornos auriculares e labiais
e provavelmente a pintura corporal. Uma marca distintiva de seu vestuário são
as tangas de cerâmica, modeladas de acordo com o corpo da usuária, algumas
simples, somente com engobo vermelho e outras finamente decoradas para as
ocasiões especiais.
Os desenhos nas tangas, por exemplo,
podem ser emblemas clânicos que denotavam posições de prestígio social. O
desenvolvimento dessa sociedade através de pelo menos mil anos de sua história,
ocupando uma região tão extensa e alcançando uma população que pode ter chegado
a 100 mil habitantes, nos indica um nível de complexidade sócio-cultural antes desconhecido
para a Ilha.
Pensamos que o desaparecimento da
sociedade Marajoara não se deu de forma repentina, mas foi o resultado de um
longo processo onde às rivalidades com os Aruãs ao norte se somaram as novas
demandas ocasionadas pela presença dos europeus na Foz do Rio Amazonas. A necessidade
de reorganização econômica, social e política das comunidades Marajoaras,
aliadas à necessidade de defesa do território levaram ao seu desmembramento
político e à perda progressiva de sua identidade cultural.
Texto publicado no livro Arte da Terra –
Resgate da Cultura Material e Iconográfica do Pará. Arte Rupestre e Cerâmica na
Amazônia pp. 22-33. Edição SEBRAE e Museu Paraense Emílio Goeldi.
ENSINO DE ARTE
PROFESSOR: PAULO CEZAR SIMÃO